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sexta-feira, 28 de maio de 2010

S. Paulo faz parte de minha história - Isabel Sousa

Rua Furnas em 1964



S. Paulo faz parte de minha história

Isabel Sousa


Quando cheguei à cidade de S. Paulo, aluguei uma confortável casa no Bairro do Mandaqui.
Havia chovido, olhei as folhas encarquilhadas que boiavam nas poças d´água; quis chorar, cerrei as pálpebras, senti-me impotente, as lágrimas haviam secado, estava frio, ficaria mais leve se chorasse. Observei o meu filho de um ano de idade – o meu marido sem emprego – entrei em casa – abri as vidraças e assomei à janela. A grandeza de São Paulo deu-me força.
Estávamos em 1964, imperava a ditadura militar, cujo regime me deixava um tanto assustada. No entanto, se dizia que São Paulo era a cidade que mais crescia no mundo. Então pensei:
Tentarei crescer com ela...
Embalados no sonho da casa própria eu e meu marido, começamos nos fins de semana a percorrer ruas e vielas até encontrarmos em construção uns sobrados no Bairro do Brooklin Paulista que nos agradaram. Compramos um, era amplo e confortável.
A rua era de terra, não havia esgoto nem água canalizada. Um poço no quintal abastecia a residência através duma barulhenta bomba hidráulica.
Dois ou três anos depois veio a água – esgoto – asfalto – e todo o bem estar do progresso.
Nesse espaço de tempo, precisávamos trabalhar.
Tempos atrás eu concluíra um curso de “Corte Costura e Bordados”. Com alguma propaganda de boca em boca tornei-me conhecida no Bairro. Coloquei uma placa na frente da casa:
“Modista - Professora de Alta costura”.
Foi só o começo de uma fase, muitas alunas e muito trabalho.
Em seguida meu marido também arrumou emprego e os ânimos se aqueceram.
O tempo foi passando – a família aumentou – nasceu o segundo filho – depois de aproximadamente oito anos nasceu uma menina.
Tudo se completava, e a primavera parecia eterna.
Até que um dia meu marido partiu. Senti o chão fugir-me debaixo dos pés.
Vi os três filhos à minha frente e São Paulo de braços abertos me desafiando.
Readquiri minhas forças. Decidi também mudar de profissão. Como não havia escolas infantis no Bairro, pensei montar uma em minha casa.
Conversei com várias mães que tinham filhos em idade pré-escolar, e elas apoiaram a idéia.
Alfabetizei muitas crianças do Bairro, e acabei ministrando também aulas para preparar os alunos do quarto ano primário ao extinto exame de admissão ao antigo Ginásio.
Mais uma vez olhei esta cidade que não pode parar e notei que algumas escolas surgiam por perto, o progresso estava acelerado, não tendo, portanto como competir com essas escolas bem estruturadas, assim mais uma vez mudou o rumo de minha vida.
E, São Paulo me apontando as oportunidades.
Trabalhei por algum tempo no conhecido, mas também extinto “Círculo do Livro”. Caminhei muito pelas ruas do Brooklin - Vila Olímpia – Itaim; visitando os sócios e pegando o pedido de compra de livros expostos nas revistas mensais.
Havia algo de provinciano no ar, as pessoas eram afáveis e em cada rosto aflorava um sorriso.
Depois de algum tempo desliguei-me do “Círculo do Livro”, foi-me então apresentada a oportunidade de trabalhar em uma Escolinha onde exerci o cargo de Educadora Infantil.

Retornando:
Cruzando a minha rua, se espraiava preguiçosa e despretensiosa a Avenida Eng. Luís Carlos Berrini. Um córrego a separava do outro lado do Bairro havia umas pontes improvisadas e estreitas precisando duma certa habilidade e equilíbrio para atravessá-las.
Espalhavam-se ao redor algumas chácaras. O campo ao lado de minha casa era repleto de eucaliptos; no meu quintal, um caramanchão de madre-silva exalava um perfume que combinava com as noites de luar e com o céu estrelado.
Os vizinhos se reuniam após o jantar; enquanto isso, as crianças brincavam na rua. Existia um não sei quê de parentesco entre todos.
Lembro-me da inauguração da Praça Gentil Falcão, o helicóptero desceu com uma figura política, não sei se era Governador ou o Perfeito; a Banda tocava, e tudo era festa, a Avenida se banhava no córrego, parecia sorrir.
Na esquina da Praça havia um matadouro, onde se ouvia o cacarejar das galinhas e, se cumpria claro a “lei divina” da “cadeia alimentar”, as coitadas eram mortas na frente do freguês. Vendiam-se ovos também. Hoje lá é o Banco Safra.
Crianças aos domingos empinavam pipas e quantas eu fiz para meus filhos! Outras andavam de bicicleta, as menores adoravam jogar pedrinhas no córrego.
Fecho os olhos – refugiando-me nas boas lembranças – consigo até ver poesia ao recordar as folhas encarquilhadas que boiavam nas poças d`água no dia em que cheguei à cidade de S. Paulo.

Eis aqui. Um pequeno retrato antigo de um cantinho desta cidade tão cheia de histórias, junto com ela alguns fragmentos da minha própria história.
Hoje a Avenida Eng. Luís Carlos Berrini não conserva nem uma sombra da simplicidade de outrora; quase imponente – Arquitetura moderna – Edifícios gigantes – Hotéis – movimento – É o progresso!

Um comentário:

Ana Coimbra disse...

Realmente o texto nos faz recordar com muitas saudades do Brooklin antigo.